A matéria em trato foi analisada pelo bacharel em Direito e analista judiciário, Rubens Cavalcante Rabelo da Silva, pertencente ao Tribunal Regional Eleitoral do Pará - TRE-PA.
Trata-se de uma excelente contribuição, principalmente aos operadores do Direito Eleitoral e, por isso mesmo, fazemos a divulgação da matéria como contribuição luminar, na busca constante da justiça para todos, a luz da Doutrina Cristã, dos direitos humanos e da Constituição da República Federativa do Brasil.
Publicamos a seguir, parte da matéria em trato:
O militar alistável é elegível, independente de filiação partidária, e o seu afastamento definitivo só é exigível após o deferimento do registro da candidatura.
Rubens Cavalcante Rabelo da Silva
Introdução
O objetivo deste artigo é analisar a elegibilidade dos militares e dos integrantes das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares dos estados, do Distrito Federal e dos territórios, prevista no art. 14, § 8º, I e II, da Constituição Federal de 1988, considerando a viragem jurisprudencial realizada pelo Tribunal Superior Eleitoral a partir da resposta dada na Consulta nº 0601066-64.2017.6.00.0000, relator ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, respondida em 20.2.2018, no sentido “de que o militar elegível que não ocupe função de comando deverá estar afastado do serviço ativo no momento em que for requerido o seu Registro de Candidatura”, e que culminou na recente decisão proferida pela Corte Superior Eleitoral no REspEl nº 0600655-66.6.10.0000 – SÃO LUIS – MARANHÃO, relator ministro CARLOS HORBACH, julgado em 30.9.2022, mantendo a decisão da Corte Regional Eleitoral do Maranhão que indeferiu requerimento de registro de candidato militar que solicitou afastamento do serviço militar no dia seguinte ao requerimento de registro de candidatura, contrariando a jurisprudência antiga do Supremo Tribunal Federal e do próprio Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que “Se o militar da ativa é alistável, é ele elegível ( CF, art. 14, par.8.). Porque não pode ele filiar-se a partido político (CF, art. 42, par.6.), a filiação partidária não lhe é exigível como condição de elegibilidade, certo que somente a partir do registro da candidatura é que [o militar que contar com dez anos de serviço ou mais] será agregado ( CF, art. 14, § 8º, II; Cod. Eleitoral, art. 5º, parág. único; Lei nº 6.880. de 1.980, art. 82, XIV, § 4º)"( Agravo de Instrumento nº 135.452-6, relator ministro CARLOS VELLOSO, STF, Acórdão de 20.9.1990; e Recurso nº 8.963, relator ministro OTÁVIO GALLOTTI, TSE, Acórdão de 30.8.1990), e que" A transferência para a inatividade do militar que conta menos de dez anos de serviço é definitiva, mas só exigível após deferido o registro da candidatura ". (REspEl nº 20.318, relator ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Acórdão de 19.9.2002; REspEl nº 20.169, relator ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, Acórdão de 12.9.2002).
1. Democracia, soberania popular e direitos políticos na Constituição Federal de 1988 e nos tratados e convenções assinados pelo Brasil (CF, art. 5º, §§ 2ª e 3º)
A soberania popular e a cidadania são os dois primeiros dos cinco fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme preceitua a Constituição Federal de 1988 em seu art. 1º, incisos I e II.
Constituindo-se a República Federativa do Brasil em Estado democrático de direito, daí decorre que todo o poder emana do povo – soberania popular –, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição Federal (art. 1º, caput e parágrafo único).
Conforme o art. 14, I a III, da Constituição Federal, “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante I) plebiscito; II) referendo; e III) iniciativa popular.
O art. 21º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948 e assinada pelo Brasil, declara que:
3. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos: e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto.
O art. 25 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 16 de dezembro de 1966, promulgado pelo Decreto nº 592, de 6 de julho de 1992, dispõe que:
Artigo 25
Todo cidadão terá o direito e a possibilidade, sem qualquer das formas de discriminação mencionadas no artigo 2 e sem restrições infundadas:
a) de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente escolhidos;
b) de votar e de ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garantam a manifestação da vontade dos eleitores;
c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) de 22 de novembro de 1969, art. 23, promulgada pelo Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992, estabelece que:
Artigo 23
Direitos Políticos
1. Todos os cidadãos devem gozar dos seguintes direitos e oportunidades:
a) de participar da direção dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos;
b) de votar e ser eleitos em eleições periódicas autênticas, realizadas por sufrágio universal e igual e por voto secreto que garanta a livre expressão da vontade dos eleitores; e
c) de ter acesso, em condições gerais de igualdade, às funções públicas de seu país.
2. A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades e a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal.
2. Direitos políticos são direitos humanos
GOMES (2010), em artigo intitulado Direitos Políticos, leciona que direitos políticos são direitos humanos:
Trata-se de direitos humanos e fundamentais que expressam o poder ou a faculdade de a pessoa participar, direta ou indiretamente (democracia representativa), do governo e da formação da vontade do Estado de que é cidadã.
(…).
Direitos humanos é expressão ampla, de matiz universalista, sendo corrente nos textos internacionais, sobretudo nas declarações de direitos.
Já a expressão direitos fundamentais teve seu uso consagrado nas constituições estatais, no Direito Público, traduzindo o rol concreto de direitos humanos acolhidos nos textos constitucionais.
(…).
O Título II da Constituição Federal de 1988 – que reza: “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” – abrange quatro esferas de direitos fundamentais, a saber: 1) direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º); 2) direitos sociais (arts. 6º a 11); 3) nacionalidade (arts. 12 e 13); 4) direitos políticos (arts. 14 a 17).
É de se concluir, pois, que os direitos políticos situam-se entre os direitos humanos e fundamentais, constituindo um subsistema. O desenvolvimento desse subsistema é sobremodo relevante, pois significa a institucionalização daqueles direitos e dos valores que expressam, e isso é essencial para otimizar a proteção deles.
(…).
Em sentido técnico-jurídico, os direitos políticos denotam o poder ou a faculdade de o nacional participar, ainda que indiretamente ou por representantes por ele escolhido (= democracia representativa), do governo, da organização e do funcionamento do Estado.
Tais direitos situam-se entre os mais relevantes direitos humanos e fundamentais, pois orientam e harmonizam a convivência no meio social. A institucionalização deles tem o sentido de otimizar-lhes a proteção.
(…).
Interessa, ainda, refletir sobre a obrigatoriedade da filiação partidária como condição para o exercício da soberania popular, mediante candidatura a cargo eletivo (elegibilidade), à luz da liberdade de associação e da proibição de se compelir alguém a associar-se ou permanecer associado, garantidas pela Constituição Federal no art. 5º, XX, considerando que os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado (CF/88, art. 17, § 2º, e Lei nº 9.096/95, art. 1º), entidades políticas associativas, associações privadas com funções constitucionais (CANOTILHO).
A Justiça Eleitoral, autodenominada Justiça da Democracia, deve interpretar as normas de direitos políticos da forma que confira a máxima efetividade ao exercício da soberania popular por meio do sufrágio universal, do qual a elegibilidade é uma de suas modalidades, e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante plebiscito, referendo e iniciativa popular (CF, art. 14, caput, I a III), sendo inadmissível que profira decisões baseadas em interpretação restritiva do exercício da soberania popular, dos direitos humanos políticos, cerceando o direito de sufrágio, que são decisões flagrantemente antidemocráticas; ainda mais se tais decisões tiverem o inconfessável objetivo antidemocrático de desestimular a participação democrática de determinada categoria de cidadãs e cidadãos na política nacional.
"O direito ao sufrágio, no qual se inclui a capacidade eleitoral passiva, em se tratando de direito fundamental garantido pela Lei Maior, participa da essência do Estado Democrático de Direito, operando como diretriz para a ação de todos os poderes constituídos, sem exceção". (AgRg no REspe nº 13781, Acórdão de 22.11.2016, rel. Min. Luciana Lóssio, PSESS - Publicado em Sessão, em 22.11.2016).
John Rawls afirma que:
A justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade é para os sistemas de pensamento. Uma teoria, independentemente de ser elegante ou econômica, deverá ser revista se não for verdadeira; da mesma forma, as leis e as instituições, independentemente de serem eficientes e bem organizadas, deverão ser reformuladas ou abolidas se forem injustas. (3; 3 Rev.)
Toda “pessoa possui uma inviolabilidade fundada na justiça, que mesmo o bem-estar da sociedade como um todo não pode ignorar. Por essa razão, a justiça nega que a perda de liberdade de algumas pessoas se justifique se houver um bem maior compartilhado pelas outras. Portanto, numa sociedade justa, os direitos garantidos pela justiça não são objetos de negociação política nem são computados no cálculo dos interesses sociais"(3-4; 3 Rev.).
Conclui-se que exigir do militar que contar menos de dez anos de serviço o afastamento definitivo do serviço ativo e a filiação partidária na data da apresentação do requerimento de registro de candidatura à Justiça Eleitoral, sob pena de indeferimento do pedido, desconsiderando a jurisprudência de mais de 30 (trinta) anos do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no sentido de que o afastamento do militar só é exigível a partir do deferimento do registro de candidatura e que a condição de elegibilidade da filiação partidária não é exigível do militar, viola o fundamento maior da Democracia, a soberania popular e, por via de consequência, os direitos humanos políticos, o direto de sufrágio, do qual a elegibilidade é uma de suas modalidades.
Imagem símbolo da Justiça.
Imagem da capa da Constituição Federal de 1988.
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