quarta-feira, 12 de julho de 2023

MEUS DEPOIMENTOS PARA A HISTÓRIA - PARTE CCLXIX

 Dando continuação ao assunto relacionado com Direito Eleitoral vigente no Brasil, trazemos a lume o trabalho elaborado pelo bacharel em Direito e analista judiciário, Rubens Cavalcante da Silva, intitulado "Inconstitucionalidade da Declaração de Inelegibilidade por Fraude à Cota de Gênero".


Considerando a importância da matéria, esta será publicada em dois capítulos:


Capítulo primeiro

Cotas de gênero são os percentuais mínimo de 30% (trinta por cento) e máximo de 70% (setenta por cento) de candidaturas de cada sexo que os partidos políticos e federações partidárias devem lançar nas eleições proporcionais (eleições de deputados e vereadores), previstos no § 3º do art. 10 da Lei nº 9.504/1997 - Lei das Eleições, regulamentado pelo art. 17, §§ 2º a 5º e 6º, da Resolução TSE nº 23.609/2019. Trata-se de "ação afirmativa (cota de gênero) instituída pelo legislador, de modo a transformar as condutas eleitorais, incentivando, efetivamente, a participação feminina na política", conforme escreveu a ministra ROSA WEBER em seu voto na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 6.338.


Não raro os partidos políticos fraudam a cota mínima de gênero, mediante requerimento de registro de candidatura de mulheres apenas para preenchimento do número mínimo de candidaturas femininas, em fraude à lei, tratando-se de candidaturas fictícias, irreais, inexistindo candidaturas reais capazes de efetivamente atender à determinação legal de percentual mínimo de 30% (trinta por cento) de requerimento de registro de candidaturas femininas previsto no § 3º do art. 10 da Lei nº 9.504/1997, não dando efetividade à "ação afirmativa instituída pelo legislador para transformar as condutas eleitorais e incentivar a participação feminina na política".


No caso de federação, as cotas de gênero devem ser observadas tanto na lista de candidaturas proporcionais globalmente considerada quanto nas candidaturas indicadas por cada partido político integrante da federação para compor a lista global, a teor do § 4º-A do art. 17 da Resolução TSE nº 23.609/2019.


O Plenário do Supremo Tribunal Federal – STF –, no julgamento da Ação Direta da Inconstitucionalidade – ADI – nº 6.338, assentou que


"Fraudar a cota de gênero – consubstanciada no lançamento fictício de candidaturas femininas, ou seja, são incluídos, na lista de candidatos dos partidos, nomes de mulheres tão somente para preencher o mínimo de 30% (trinta por cento), sem o empreendimento de atos de campanhas, arrecadação de recursos, dentre outros – materializa conduta transgressora da cidadania ( CF, art. 1º, II), do pluralismo político ( CF, art. 1º, V), da isonomia ( CF, art. 5º, I)." ( ADI nº 6.338, relatora ministra ROSA WEBER, julgada pelo Plenário do STF em 3.4.2023). (sem grifo no original).


De acordo com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), "a fraude à cota de gênero deve ser aferida caso a caso, a partir das circunstâncias fáticas de cada hipótese, notadamente levando-se em conta aspectos como falta de votos ou votação ínfima, inexistência de atos efetivos de campanha, prestações de contas zeradas ou notoriamente padronizadas entre as candidatas, dentre outras, de modo a transparecer o objetivo de burlar o mínimo de isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu assegurar no art. 10, § 3º, da Lei 9.504/97." (AgRespel 0600004-36.2021.6.02.0018 e AgREspel 0600869-93.2020.6.02.0018, relator ministro Benedito Gonçalves, julgados em 23.5.2023).


As inelegibilidades, que são restrições ao direito do cidadão e da cidadã brasileira (o) de ser votada (o), direito político inerente à cidadania à elegibilidade (jus honorum), são aquelas previstas expressamente na Constituição Federal de 1988 e na Lei Complementar nº 64/1990.


Fora da Constituição Federal, apenas lei complementar pode estabelecer outros casos de inelegibilidade, a teor do § 9º do art. 14 da Carta da Republica Federativa do Brasil. Esses outros casos de inelegibilidade estão previstos na Lei Complementar nº 64/1990.


A Lei Complementar nº 64/1990, art. 22, XIV, comina a sanção de declaração de inelegibilidade (RO 566-35, relator ministro GILMAR MENDES, publicado em sessão no dia 16.9.2014) para os casos em que seja julgada procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) na qual haja imputação de “uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou partido político”.


Observa-se que a Lei Complementar nº 64/1990, art. 1º, inciso I, letras d h e j, comina inelegibilidade, como efeito secundário da condenação (RO 566-35, relator ministro GILMAR MENDES, publicado em sessão no dia 16.9.2014), para as pessoas que tenham sido condenadas pela Justiça Eleitoral, “em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político” (letras d e h), “por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma” (letra j) - sem grifos no original.


Verifica-se que a Lei Complementar nº 64/1990 não comina inelegibilidade para fraude no processo eleitoral; nem como sanção, nem como efeito de condenação.


Na linha da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, o prazo da 8 (oito) anos de inelegibilidade previsto no art. 1º, inciso I, alíneas d, h e j, e no inciso XIV do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 é contado da data do 1º turno da eleição em que se verificou o fato até o dia de número igual ao número do início da contagem do prazo de igual mês do oitavo ano subsequente, observando-se o art. 132, § 3º, do Código Civil (Súmula TSE nº 19; PA 323-45, relatora ministra LAURITA VAZ, relator designado ministro DIAS TOFFOLI, DJe, tomo 123, págs. 178/184, de 28.6.2016; RO 566-35, relator ministro GILMAR MENDES, publicado em sessão no dia 16.9.2014; Cta 131-15, relator ministro HENRIQUE NEVES, DJe, tomo 154, p. 71, de 20.8.2014; Cta nº 433-44, relatora ministra LUCIANA LÓSSIO, DJe tomo 118, p. 60, de 1.7.2014; AgRg-AgInst 177-73, relatora ministra LUCIANA LÓSSIO, julgado em 14.11.2013, DJe, tomo 23, p. 299; REspe 74-27, relatora ministra LAURITA VAZ, publicado na sessão de 9.10.2012, RJTSE, vol. 23. tomo 4, p. 267, de 9.10.2012).


A Constituição Federal de 1988, § 10, prevê a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), a ser proposta no prazo de 15 (quinze) dias contados da data da diplomação fixada no calendário eleitoral pelo Tribunal Superior Eleitoral ( AgREspel 0600994-58.2020.6.26.0094, relator ministro Benedito Gonçalves, julgado em 20.4.2023, DJe, tomo 78, de 28.4.2023), para impugnar mandato eletivo perante a Justiça Eleitoral, em caso de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude, a qual tramitará em segredo de justiça, “respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé” ( § 11 do art. 14 da CF/1988).


A princípio, fraude à cota de gênero não poderia ser causa de pedir de AIJE, haja vista que fraude é causa de pedir de AIME, enquanto que as causas de pedir de AIJE são “uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou partido político”.


Esse era o entendimento do TSE até o julgamento do REspel 243-42.2012.6.18.0024-PI, Acórdão de 16.8.2016, relator ministro Henrique Neves, conforme depreende-se do item II da ementa do Acórdão proferido no AgInst nº 4.203-MG, relator ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ de 26.9.2003:


(…).


II- Não há litispendência entre a ação de investigação judicial eleitoral e a ação de impugnação de mandato eletivo, pois, embora possam assentar-se nos mesmos fatos, perseguem objetivos distintos. Enquanto aquela busca a cassação do registro e a declaração de inelegibilidade, fundada na existência de "uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social”, esta tem por escopo a cassação do mandato eletivo, se conquistado mediante abuso do poder econômico, corrupção ou fraude. (sem grifo no original).



(…).


 Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral consolidou-se no sentido de que “em sede de AIME, a verificação da fraude à cota de gênero tem como consequência apenas a desconstituição dos mandatos dos candidatos eleitos e de seus suplentes” (AgRg-REspel nº 0000001-62.2017.6.21.0012/RS, Acórdão de 11.2.2020, relator ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJe, tomo 127, págs. 49/59, de 29.6.2020), sendo inviável a declaração de inelegibilidade em AIME na qual se apure fraude à cota de gênero, “sem prejuízo de futuro exame [de eventual inelegibilidade] em sede de registro de candidatura” (AgRg no REspel 0600580-39.2020.6.10.0051, relator ministro Sérgio Banhos, DJe de 5.5.2023).


Todavia, diante da necessidade de viabilizar a apuração de fraude à cota de gênero no registro de candidatura, sem que seja necessário aguardar a diplomação para propor AIME, o TSE decidiu pelo cabimento da AIJE, superando precedente anterior no sentido da inadmissibilidade da AIJE ( AG 4.203/MG, relator ministro Francisco Peçanha Martins, DJ de 26.9.2003) – conforme mencionado no voto do ministro Herman Benjamin no REspe 243-42.2012.6.18.0024-PI, Acórdão de 16.8.2016, relator ministro Henrique Neves.


Está consolidado na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral o entendimento de que" Para caracterização do abuso do poder político, é essencial demonstrar a participação, por ação ou omissão, de ocupante de cargo ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional "(REspe no 287-84.2012.6.16.0196/PR, relator ministro Henrique Neves, julgado em 15.12.2015), donde se conclui que fraude à cota de gênero cometida por dirigente partidário não configura abuso de poder político.


A tipicidade do abuso de poder político é semelhante ao que se denomina crime próprio no Direito Penal, que são aqueles crimes em que se exige como elementar do tipo penal uma qualidade ou característica especial do agente, como é o caso, por exemplo, do crime de infanticídio, definido no art. 123 do Código Penal, onde a autora do crime só pode ser a mãe do recém-nascido, bem como dos crimes dos artigos 212 a 226, dos quais só pode ser autor servidor(a) público(a).


Convém anotar que, a partir da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, os partidos políticos passaram a ser pessoas jurídicas de direito privado, a teor do § 2º do art. 17 da nossa Carta Magna (v. Lei nº 9.096/95, art. 1º; art. 44, V, do Código Civil; e arts. 114, III, e 120, parágrafo único, da Lei nº 6.015/1973) – o art. 2º da Lei nº 5.682/1971 – Lei Orgânica dos Partidos Políticos – dispunha que os partidos políticos constituíam-se em pessoas jurídicas de direito público interno.


Destaca-se do voto do ministro Henrique Neves no REspe 243-42.2012.6.18.0024-PI, Acórdão de 16.8.2016, observando, porém, que esses trechos não esgotam as razões da decisão no sentido da admissibilidade da AIJE para apurar fraude à cota de gênero no registro de candidatura:


"(...).


Consoante entendimento ao qual inclusive me alinhei no primeiro momento, o disposto no art. 22 da lei de inelegibilidades permitiria a utilização da via da ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) somente para a apuração das hipóteses de abuso do poder político e econômico, assim como do uso indevido dos meios e veículos de comunicação social.


Entretanto, evoluindo no entendimento sobre a matéria, verifico que, em tese, as alegações da existência de fraude cometida após a análise do DRAP não pode deixar de ser examinada pela Justiça Eleitoral, em tempo e de forma hábeis a preservar a normalidade e a legitimidade das eleições.


Com efeito, a interpretação das regras previstas no art. 22 da LC nº 64/90 não pode ser centrada apenas em caráter meramente formal, que privilegia o direito processual (acessório), em detrimento da análise de eventual violação de direito material (principal), cuja proteção constitui dever do Estado.


Ademais, a interpretação das regras previstas na Lei das Inelegibilidades e no ordenamento jurídico eleitoral infraconstitucional devem sempre partir da concepção traçada pela Constituição da Republica, que impõe a preservação da normalidade e da legitimidade dos pleitos (art. 14, § 9º), assim como a possibilidade de cassação dos mandatos em razão de abuso, fraude ou corrupção (art. 14, § 10).


Diante dessa constatação, a restrição de caráter formal no sentido de afirmar que eventuais atos fraudulentos relativos ao preenchimento das vagas destinadas aos gêneros, constatados no curso das campanhas eleitorais, somente poderiam ser apurados na ação de impugnação de mandato eletivo atrairia situação de vácuo na prestação jurisdicional no período compreendido entre a apreciação do DRAP e a propositura da ação de impugnação de mandato eletivo, que tem como pressuposto fático a existência de mandato a ser impugnado.


Em outras palavras, ultrapassada a fase do exame do DRAP - que antecede o próprio exame dos pedidos de registro de candidatura -, a alegação de fraude superveniente, em razão da inexistência de candidaturas reais capazes de efetivamente atender aos percentuais mínimos de gênero previsto na legislação, ficaria relegada e somente poderia ser examinada se e quando fosse obtido o mandato eletivo, com o ajuizamento da respectiva AIME, ao passo que não haveria espaço para a apuração da ilicitude nas situações em que os autores do ardil ou as pessoas beneficiadas não obtivessem o mandato.


Assim, o entendimento já consagrado por este Tribunal no sentido de que a fraude em questão pode ser examinada pela via da ação de impugnação do mandato eletivo não é, no plano teórico, suficiente para garantir o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição.


Nesse sentido, cabe lembrar que, como dispunha o art. 75 do Código Civil, a todo o direito deve corresponder uma ação, que o assegure. De igual modo, tanto o Código de Processo Civil atualmente em vigor como o novo Código de Processo Civil reforçam, em diversos dispositivos, o conceito de utilidade da prestação jurisdicional, impondo ao magistrado a adoção das medidas que preservem o resultado útil e prático do processo.


Neste aspecto, não se mostra útil ou prático para o processo eleitoral postergar a análise da matéria relacionada à fraude que estaria sendo cometida no curso das campanhas apenas para o momento posterior ao da diplomação, pois o objetivo primário da jurisdição eleitoral deve ser o de preservar a normalidade e a legitimidade das eleições.


Em outras palavras, apresentada a denúncia da prática de fraude capaz de afetar a normalidade e a legitimidade das eleições, a sua apuração supera o interesse das partes e não pode ser afastada. (...).


(...).


No caso do registro de candidaturas de acordo com os percentuais mínimos previstos na legislação, o poder decorrente do monopólio das candidaturas exercido pelos partidos políticos não se limita ao mero lançamento de candidaturas de acordo com os percentuais vigentes, pois a regra - como ação afirmativa - impõe que o seu conteúdo seja efetivamente respeitado de modo que as candidaturas lançadas sejam efetivas e reais e a efetividade do conteúdo normativo seja assegurada. 


Nessa linha, mutatis mutandis, ao tratar da presença das mulheres na propaganda partidária, já se afirmou que "o incentivo à participação feminina no âmbito da propaganda partidária, como ação afirmativa, merece ser interpretado de forma a conferir a maior efetividade possível à norma" ( REspe nº 523-63, rei. Mm. Henrique Neves, DJE de 14.4.2014).


Assim, eventuais desvirtuamentos que possam anular a regra que impõe no mundo fático a existência de candidaturas nos patamares previstos pela legislação para cada gênero devem ser examinados pela Justiça Eleitoral tão logo sejam detectados e apontados para, inclusive e se for o caso, permitir a adoção das medidas que visem equilibrar o pleito e atender ao comando legal durante o curso das campanhas eleitorais.


(...).

 

Em palavras diretas: é possível verificar, por meio da ação de investigação judicial eleitoral, se o partido político efetivamente respeita a normalidade das eleições prevista no ordenamento jurídico – tanto no momento do registro como no curso das campanhas eleitorais, no que tange à efetiva observância da regra prevista no art. 10, § 3º da Lei das Eleicoes - ou se há o lançamento de candidatas apenas para que se obtenha, em fraude à lei, o preenchimento do número mínimo de vagas previsto para cada gênero, sem o efetivo desenvolvimento das candidaturas.


(…)" 


Observa-se que o TSE não decidiu pela admissibilidade da Ação de Investigação Judicial Eleitoral para apurar fraude à cota de gênero com fundamento na compreensão de que se trata de abuso de poder político, mas, sim, em razão da necessidade de instrumentalizar, por meio da AIJE, a inafastabilidade da jurisdição para apurar a fraude antes da abertura do prazo para propositura da AIME, isto é, antes da diplomação, ou seja, como forma de suprir “situação de vácuo na prestação jurisdicional no período compreendido entre a apreciação do DRAP e a propositura da ação de impugnação de mandato eletivo, que tem como pressuposto fático a existência de mandato a ser impugnado”, conforme escreveu o ministro Henrique Neves em seu voto no REspe 243-42.2012.6.18.0024-PI.


A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral firmou-se no sentido de que o lançamento de candidaturas femininas fictícias, em fraude à cota de gênero prevista no § 3º do art. 10 da Lei nº 9.504/97, apurada por meio de Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE), acarreta a) a nulidade da votação obtida pelo partido político ou federação, com o consequente reprocessamento da totalização dos votos da eleição proporcional e redistribuição das vagas; b) a cassação dos diplomas dos candidatos e das candidatas eleitas, inclusive dos suplentes; e c) a declaração de inelegibilidade de quem tenha participado da fraude (REspel nº 0600384-2-.2020.6.02.0010, Acórdão de 9.3.2023, relator ministro Mauro Campbell Marques, relator designado ministro Sérgio Silveira Banhos, DJe, tomo 44, de 20.3.2023; REspel nº 0600386-87.2020.6.02.0010, relator ministro Mauro Campbell Marques, Acórdão de 9.3.2023, DJe, tomo 43, de 17.3.2023; AgREspel 0600869-93.2020.6.02.0018 e AgREspel 0600004-36.2021.6.02.0018 – ROTEIRO – ALAGOAS, ambos da relatoria do ministro Benedito Gonçalves, julgados em 23.5.2023; AgRg-REspel 0000001-90.2017.6.09.0046 (AIME), Acórdão de 16.12.2021, relator ministro Alexandre de Moraes, DJe, tomo 15, de 4.2.2022; REspel 0000193-92.2016.6.18.0018, Acórdão de 17.9.2019, relator ministro Jorge Mussi, DJe, tomo 193, pág. 105/107, de 4.10.2019).


Não obstante, a Resolução TSE nº 23.609/2019, art. 20, § 5º (inserido pela Res.-TSE nº 23.675/2021), que disciplina a escolha e o registro de candidaturas para as eleições, dispõe que o julgamento de procedência de representação na qual se apure o lançamento de candidaturas femininas fictícias “acarretará a anulação de todo o DRAP [Documento de Regularidade de Atos Partidários] e a cassação de diplomas ou mandatos de todas as candidatas e de todos os candidatos a ele vinculados, independentemente de prova de sua participação, ciência ou anuência, com a consequente retotalização dos resultados e, se a anulação atingir mais de 50% (cinquenta por cento) dos votos da eleição proporcional, a convocação de novas eleições.


Observa-se que o § 5º do art. 20 da Resolução TSE nº 23.609/2019 não comina a declaração de inelegibilidade à fraude à cota de gênero.


No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.338, relatora ministra ROSA WEBER, julgada em 3.4.2023, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) assentou que a interpretação do § 3º do art. 10 da Lei nº 9.504/1997 segundo a qual é possível cassar o registro ou o diploma de todos aqueles que se beneficiaram da fraude (i) é adequada e não viola o princípio da proporcionalidade, "porquanto apta [a] punir todos os envolvidos na prática fraudulenta; (ii) necessária para evitar a contumaz recalcitrância das agremiações partidárias no adimplemento da ação afirmativa (cota de gênero) instituída pelo legislador, de modo a transformar as condutas eleitorais, incentivando, efetivamente, a participação feminina na política; (iii) proporcional em sentido estrito, tendo em vista que, ao contrário do sustentado, não acarreta desestímulo para participação do pleito e incentiva os partidos a fomentarem, a desenvolverem e a integrarem a participação feminina na política.”


Em seu voto na ADI 6.338, a ministra ROSA WEBER registrou que, "ao contrário do sustentado pelo Procurador-Geral da República, não se discute, na presente ação direta de inconstitucionalidade, a aplicação da inelegibilidade àqueles que tenham concorrido para execução de atos abusivos (art. 22, XIV, primeira parte, LC 64/1990), mas somente a cassação do registro ou do diploma dos que tenham se beneficiado das condutas ilícitas, embora não as tenham concebido ou praticado."


Nota-se que o Plenário do STF, ao julgar a ADI 6.338, não adotou interpretação conforme do § 3º do art. 10 da Lei nº 9.504/97 que autorizaria a declaração de inelegibilidade em razão de julgamento de procedência de representação por fraude à cota de gênero, pois esse tema não foi submetido ao escrutínio da Corte.


A elegibilidade, direito fundamental e humano, só pode ser restringida nas hipóteses expressamente previstas na Constituição Federal e na Lei Complementar nº 64/90, devendo o intérprete, conforme a regra de hermenêutica, interpretar restritivamente as normas que estabeleçam hipóteses de inelegibilidade.


Conforme a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), "As restrições a direitos fundamentais devem ser interpretadas restritivamente, consoante lição basilar da dogmática de restrição a direitos fundamentais, axioma que deve ser trasladado à seara eleitoral, de forma a impor que, sempre que se deparar com uma situação de potencial restrição ao ius honorum, [...], o magistrado deve prestigiar a interpretação que potencialize a liberdade fundamental política de ser votado, e não o contrário." ( REspe 21321, rel. Min. Luiz Fux, DJe de 5.6.2017). "As normas de direito eleitoral devem ser interpretadas de forma a conferir a máxima efetividade do direito à elegibilidade. [...]. O direito ao sufrágio, no qual se inclui a capacidade eleitoral passiva, em se tratando de direito fundamental garantido pela Lei Maior, participa da essência do Estado Democrático de Direito, operando como diretriz para a ação de todos os poderes constituídos, sem exceção." (AgRg no REspe nº 13781, Acórdão de 22.11.2016, rel. Min. Luciana Lóssio, PSESS – Publicado em Sessão, em 22.11.2016), conforme depreende-se das ementas dessas decisões, transcritas abaixo apenas no que interessa:


“(…).


[…] o direito à elegibilidade, como direito fundamental, deve ser restringido nas situações expressamente previstas na norma.”


[…]. (REspEl - Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral nº 060017422 – PIRES FERREIRA – CE, Acórdão de 11/03/2021, relator Min. Alexandre de Moraes, Publicação em DJE – Diário da justiça eletrônica, tomo 52, de 23.3.2021).


“(…).

[…] o direito à elegibilidade é direito fundamental. Como resultado, de um lado, o intérprete deverá, sempre que possível, privilegiar a linha interpretativa que amplie o gozo de tal direito. De outro lado, as inelegibilidades devem ser interpretadas restritivamente, a fim de que não alcancem situações não expressamente previstas pela norma. […].”

[…]. (RESPE - Recurso Especial Eleitoral nº 19257 – BARRA DE SANTO ANTÔNIO – AL, Acórdão de 13.6.2019, relator Min. Luís Roberto Barroso, publicado no DJE - Diário da justiça eletrônica em 12.8.2019).


“(…).

7. As restrições a direitos fundamentais devem ser interpretadas restritivamente, consoante lição basilar da dogmática de restrição a direitos fundamentais, axioma que deve ser trasladado à seara eleitoral, de forma a impor que, sempre que se deparar com uma situação de potencial restrição ao ius honorum, como sói ocorrer nas impugnações de registro de candidatura, o magistrado deve prestigiar a interpretação que potencialize a liberdade fundamental política de ser votado, e não o inverso.[…].” (RESPE – Recurso Especial Eleitoral nº 21321 – AREADO – MG, Acórdão de 06/04/2017, relator Min. Luiz Fux, publicado no DJE - Diário da justiça eletrônica – em 5.6.2017).


CONTINUA.




Sem advocacia não existem as garantias constitucionais a direito de defesa, o contraditório e o devido processo legal.


Imagem de urna eleitoral.



Imagem da deusa da Justiça, Themis. 

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