domingo, 25 de junho de 2023

MEUS DEPOIMENTOS PARA A HISTÓRIA - PARTE CCLXVIII


Dando continuação a divulgação de matérias relacionadas com o Direito, publicamos o brilhante trabalho do bacharel em Direito Rubens Cavalcante da Silva, com o título: Inconstitucionalidade da declaração de inelegibilidade por fraude à cota de gênero:

Inconstitucionalidade da declaração de inelegibilidade por fraude à cota de gênero

As inelegibilidades, que são restrições ao direito do cidadão e da cidadã brasileira (o) de ser votada (o), direito político inerente à cidadania à elegibilidade (jus honorum), são aquelas previstas expressamente na Constituição Federal de 1988 e na Lei Complementar nº 64/1990.

Fora da Constituição Federal, apenas lei complementar pode estabelecer outros casos de inelegibilidade, a teor do § 9º do art. 14 da Carta da Republica Federativa do Brasil. Esses outros casos de inelegibilidade estão previstos na Lei Complementar nº 64/1990.

A Lei Complementar nº 64/1990, art. 22, XIV, comina a sanção de declaração de inelegibilidade para os casos em que seja julgada procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) na qual haja imputação de “uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou partido político”.

A Constituição Federal de 1988, art. 14, § 10, prevê a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME), a ser proposta no prazo de 15 (quinze) dias contados da data da diplomação fixada no calendário eleitoral pelo Tribunal Superior Eleitoral, para impugnar mandato eletivo perante a Justiça Eleitoral, em caso de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude, a qual tramitará em segredo de justiça, “respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de manifesta má-fé” ( § 11 do art. 14 da CF/1988).

A princípio, fraude à cota de gênero não poderia ser causa de pedir de AIJE, haja vista que fraude é causa de pedir de AIME, enquanto que as causas de pedir de AIJE são “uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou partido político”.

Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral consolidou-se no sentido de que “em sede de AIME, a verificação da fraude à cota de gênero tem como consequência apenas a desconstituição dos mandatos dos candidatos eleitos e de seus suplentes” (AgRg-REspel nº 0000001-62.2017.6.21.0012/RS, Acórdão de 11.2.2020, relator ministro Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJe, tomo 127, págs. 49/59, de 29.6.2020), sendo inviável a declaração de inelegibilidade em AIME na qual se apure fraude à cota de gênero, “sem prejuízo de futuro exame [de eventual inelegibilidade] em sede de registro de candidatura” (AgRg no REspel 0600580-39.2020.6.10.0051, relator ministro Sérgio Banhos, DJe de 5.5.2023).

Todavia, diante da necessidade de viabilizar a apuração de fraude à cota de gênero no registro de candidatura, sem que seja necessário aguardar a diplomação para propor AIME, o TSE decidiu pelo cabimento da AIJE, superando precedente anterior no sentido da inadmissibilidade da AIJE ( AG 4.203/1 VIG, Rel. Min. Peçanha Martins, DJ de 26.9.2003) – conforme mencionado no voto do ministro Herman Benjamin no REspe 243-42.2012.6.18.0024-PI, Acórdão de 16.8.2016, relator ministro Henrique Neves.

Está consolidado na jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral o entendimento de que "Para caracterização do abuso do poder político, é essencial demonstrar a participação, por ação ou omissão, de ocupante de cargo ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional"(REspe no 287-84.2012.6.16.0196/PR, relator ministro Henrique Neves, julgado em 15.12.2015), donde se conclui que fraude à cota de gênero cometida por dirigente partidário não configura abuso de poder político.

A tipicidade do abuso de poder político é semelhante ao que denomina-se de crime próprio no Direito Penal, que são aqueles crimes em que se exige como elementar do tipo penal uma qualidade ou característica especial do agente, como é o caso, por exemplo, do crime de infanticídio, definido no art. 123 do Código Penal, onde a autora do crime só pode ser a mãe do recém-nascido, bem como dos crimes dos artigos 212 a 226, dos quais só pode ser autor servidor (a) público (a).

Convém anotar que, a partir da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988, os partidos políticos passaram a ser pessoas jurídicas de direito privado, a teor do § 2º do art. 17 da nossa Carta Magna (v. Lei nº 9.096/95, art. 1º; art. 44, V, do Código Civil; e arts. 114, III, e 120, parágrafo único, da Lei nº 6.015/1973) – o art. 2º da Lei nº 5.682/1971 – Lei Orgânica dos Partidos Políticos – dispunha que os partidos políticos constituíam-se em pessoas jurídicas de direito público interno.

Destaco do voto do ministro Henrique Neves no REspe 243-42.2012.6.18.0024-PI, Acórdão de 16.8.2016, observando, porém, que esses trechos não esgotam as razões da decisão no sentido da admissibilidade da AIJE para apurar fraude à cota de gênero no registro de candidatura:

"(...).

Consoante entendimento ao qual inclusive me alinhei no primeiro momento, o disposto no art. 22 da lei de inelegibilidades permitiria a utilização da via da ação de investigação judicial eleitoral (AIJE) somente para a apuração das hipóteses de abuso do poder político e econômico, assim como do uso indevido dos meios e veículos de comunicação social.

Entretanto, evoluindo no entendimento sobre a matéria, verifico que, em tese, as alegações da existência de fraude cometida após a análise do DRAP não pode deixar de ser examinada pela Justiça Eleitoral, em tempo e de forma hábeis a preservar a normalidade e a legitimidade das eleições.

Com efeito, a interpretação das regras previstas no art. 22 da LC nº 64/90 não pode ser centrada apenas em caráter meramente formal, que privilegia o direito processual (acessório), em detrimento da análise de eventual violação de direito material (principal), cuja proteção constitui dever do Estado.

Ademais, a interpretação das regras previstas na Lei das Inelegibilidades e no ordenamento jurídico eleitoral infraconstitucional devem sempre partir da concepção traçada pela Constituição da Republica, que impõe a preservação da normalidade e da legitimidade dos pleitos (art. 14, § 9º), assim como a possibilidade de cassação dos mandatos em razão de abuso, fraude ou corrupção (art. 14, § 10).


 

Diante dessa constatação, a restrição de caráter formal no sentido de afirmar que eventuais atos fraudulentos relativos ao preenchimento das vagas destinadas aos gêneros, constatados no curso das campanhas eleitorais, somente poderiam ser apurados na ação de impugnação de mandato eletivo atrairia situação de vácuo na prestação jurisdicional no período compreendido entre a apreciação do DRAP e a propositura da ação de impugnação de mandato eletivo, que tem como pressuposto fático a existência de mandato a ser impugnado.

Em outras palavras, ultrapassada a fase do exame do DRAP - que antecede o próprio exame dos pedidos de registro de candidatura -, a alegação de fraude superveniente, em razão da inexistência de candidaturas reais capazes de efetivamente atender aos percentuais mínimos de gênero previsto na legislação, ficaria relegada e somente poderia ser examinada se e quando fosse obtido o mandato eletivo, com o ajuizamento da respectiva AIME, ao passo que não haveria espaço para a apuração da ilicitude nas situações em que os autores do ardil ou as pessoas beneficiadas não obtivessem o mandato.

Assim, o entendimento já consagrado por este Tribunal no sentido de que a fraude em questão pode ser examinada pela via da ação de impugnação do mandato eletivo não é, no plano teórico, suficiente para garantir o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição.

Nesse sentido, cabe lembrar que, como dispunha o art. 75 do Código Civil, a todo o direito deve corresponder uma ação, que o assegure. De igual modo, tanto o Código de Processo Civil atualmente em vigor como o novo Código de Processo Civil reforçam, em diversos dispositivos, o conceito de utilidade da prestação jurisdicional, impondo ao magistrado a adoção das medidas que preservem o resultado útil e prático do processo.

Neste aspecto, não se mostra útil ou prático para o processo eleitoral postergar a análise da matéria relacionada à fraude que estaria sendo cometida no curso das campanhas apenas para o momento posterior ao da diplomação, pois o objetivo primário da jurisdição eleitoral deve ser o de preservar a normalidade e a legitimidade das eleições.

Em outras palavras, apresentada a denúncia da prática de fraude capaz de afetar a normalidade e a legitimidade das eleições, a sua apuração supera o interesse das partes e não pode ser afastada.

(...).

Considerando a importância da matéria em trato, daremos continuidade à divulgação, até como contribuições aos operadores do Direito, sentinelas avançadas da paz e da democracia.

Imagem da urna eleitoral com eleitor votante.

Imagem da Câmara dos Deputados Federais.

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