
Antinomia entre o prazo mínimo de um ano para a transferência de domicílio eleitoral e o prazo mínimo de seis meses de domicílio eleitoral na circunscrição do pleito como condição de elegibilidade.
O Código eleitoral, art. 55, §1º, inciso II estabelece que a transferência de domicílio eleitoral só será admitida se transcorrido pelo menos 1 (um) ano da inscrição primitiva. Esse prazo será contado da data da inscrição imediatamente anterior ao novo domicílio eleitoral. (Ac.-TSE nº 4762/2004).
A Resolução TSE nº 23.659/2021, art. 38, II também estabelece que a transferência de domicílio eleitoral só será admitida se transcorrido, pelo menos, um ano do alistamento eleitoral ou da última transferência.
A Lei nº 9.504/97, art. 9º, em consonância com a inciso IV do §3º do artigo 14 da Constituição Federal estabelece como condição de elegibilidade o domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo mínimo de seis meses antes da data do pleito.
Verifica se uma antinomia, um conflito de normas entre o art. 55, §1º, inciso II do Código Eleitoral e o artigo 9º da Lei nº 9.504/97, na medida em que a Lei das Eleições estabelece que o candidato ou candidata deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de seis meses antes do pleito como condição de elegibilidade (CF, at. 14, §3º, IV) e o Código Eleitoral veda a transferência de domicílio eleitoral antes de transcorrido um ano do alistamento eleitoral ou da última transferência.
Vedar a transferência de domicílio eleitoral antes de transcorrido um ano do alistamento eleitoral ou da última transferência viola o direito político inerente á cidadania a elegibilidade (jus honorum), na medida em que impede o eleitor ou eleitora de preencher a condição de elegibilidade do domicílio eleitoral na respectiva circunscrição no prazo mínimo de seis meses antes do pleito, na forma do inciso IV do §3º do artigo 14 da Constituição Federal.
Cumpre ao intérprete das normas jurídicas observar os princípios da completude e da coerência do ordenamento jurídico.
A completude do ordenamento jurídico é conceituada por Norberto Bobbio (1999, p. 115, apud SILVA 2008, p. 4), nos seguintes termos:
Por completude entende-se a propriedade pela qual o ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso. Uma vez que a falta de uma norma se chama geralmente "lacuna" (num dos sentidos do temo lacuna), "completude" significa "falta de lacuna". Em outras palavras, um ordenamento é completo quando o juiz pode encontrar nele uma norma para regular qualquer caso que se lhe apresente, ou melhor, não há caso que não possa ser regulado como a norma tirada do sistema. (BOBBIO, 1999, p. 115).
O artigo 4º da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro reflete o princípio da completude do ordenamento jurídico, dispondo que "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com o caso de acordo com analogia, os costumes e os princípios gerais de direito."
Também o artigo 140, caput, do Código de Processo Civil afirma a completude do ordenamento jurídico ao dispor que "O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico."
O princípio da coerência do ordenamento jurídico impõe interpretação coerente com ordenamento jurídico quando o interprete estiver "diante de uma antinomia jurídica" (DINIZ, 2001, p. 469, apud SILVA, 2008, p. 5).
Maria Helena Diniz (DINIZ, 2001, p. 469, apud SILVA, 2008, p. 5) conceitua antinomia jurídica da seguinte forma:
Antinomia é o conflito entre duas normas, dois princípios ou de uma norma e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular. É a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber qual delas deverá ser aplicada ou caso singular. (DINIZ 2001, p 469).
A coerência do ordenamento jurídico explicada por Bobbio (1999. p. 113, apud SILVA, 2008, p.6) nos seguintes termos:
A coerência não é condição de validade, mas é sempre condição para a justiça do ordenamento. É evidente que quando duas normas contraditórias são ambas válidas, e pode haver indiferentemente a aplicação de uma ou de outra, conforme o livre arbítrio daqueles que são chamados a aplicá-las, são violadas duas exigências fundamentais em que se inspiram ou tendem a inspirar-se os ordenamento jurídicos: a exigência da certeza (que corresponde ao valor da paz ou da ordem) e a exigência de justiça (que corresponde ao valor da igualdade), onde existem duas normas antinômicas, ambas válidas e, portanto, ambas aplicáveis, o ordenamento jurídico não consegue garantir nem a certeza, entendida como possibilidade, por parte do cidadão, de prever com exatidão as consequências jurídicas da própria conduta, nem a justiça, entendida como igual o tratamento das pessoas que pertence a mesma categoria. (BOBBIO, 1999, p. 113).
A revogação tácita é outro fundamento que me parece plausível para afastar a vigência do inciso II do §1º do art. 55 do Código Eleitoral, com fundamento no §1º da Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, (DECRETO-LEI nº 4.657 de 4 de setembro de 1942). segundo o qual "A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior."
Assim sendo, parece que o artigo 9º da Lei nº 9.504/97, revogou tacitamente o inciso II do §1º do art. 55 do Código Eleitoral, considerando que vedação à transferência de título eleitoral antes de transcorrido um ano do alistamento eleitoral ou da última transferência inviabilizaria o preenchimento da condição de elegibilidade do domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de seis meses antes do pleito, na forma prevista no inciso IV do §3º do art. 14 da Constituição Federal c/c o art. 9º da Lei nº 9.504/97, repito, violando o direito político inerente à cidadania e à elegibilidade (jus honorum), na medida em que impede o eleitor ou a eleitora de preencher a condição de elegibilidade no domicílio eleitoral na respectiva circunscrição no prazo mínimo de seis meses antes do pleito na forma do inciso IV do §3º do art. 14 da Constituição Federal.
Convém anotar, em razão do conflito de normas anteriormente suscitado, que o Código Eleitoral foi recepcionado pela Constituição Federal como Lei Complementar apenas quanto a matéria cuja disciplina foi reservada pela Constituição Federal a Lei Complementar.
Conclusão, a matéria em trato é de sua importância para o momento eleitoral em que vivemos.
Os operadores do direito precisam estar atualizados com as normas jurídicas relacionadas com cada assunto objeto de suas atividades.
Imagem de urna eleitoral em sala de votação.
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